“Arena e intervencionismo”. Texto do amigo Alexandre Aguiar

O Ministério Público do Rio Grande do Sul anuncia em press release na sua página de internet que “a arquibancada Norte do Estádio da Arena será destinada apenas para as torcidas organizadas” e acrescenta que “o público em geral que quiser assistir aos jogos no local deverá, obrigatoriamente, escolher uma das organizadas e se cadastrar”. Informa ainda que “o controle será fiscalizado pela Brigada Militar e Ministério Público” e que “somente nesse local será permitido o uso de instrumentos musicais e faixas”. Em declarações no rádio, a Promotoria informa que política semelhante vai ser exigida do Internacional no renovado Beira-Rio.
A direção do Grêmio, por sua vez, em dura, irrepreensível e elogiável manifestação na mídia do seu vice-presidente Nestor Hein, informa que concorda por força da legislação com o cadastro de torcedores, mas classifica a medida de limitar o uso da Arquibancada Norte apenas às organizadas como uma “insanidade”. Sustenta ainda que “ninguém tem o direito de dizer como o Grêmio ocupará ou não o seu estádio”.
O Ministério Público é um dos poucos bastiões de defesa da cidadania neste país e que a população pode se valer para preservar os seus direitos. Preocupa-me, entretanto, não só como associado de um clube de futebol como alguém que enxerga na liberdade uma condição essencial de êxito da iniciativa privada, o recente excessivo intervencionismo do órgão ministerial em temas relacionados ao futebol. Nas últimas semanas, gremistas e colorados ouviram por um maior número de vezes declarações do Ministério Público na mídia que dos presidentes de Grêmio e Internacional.
A expressão “insanidade” para a determinação sobre a Arquibancada Norte pela direção gremista não poderia ser mais perfeita. Incontroverso, em decorrência de lei, que sejam cadastrados os integrantes de organizadas. Questiona-se, contudo, qual o embasamento legal para que o Ministério Público determine que um setor ou outro do estádio, que é de domínio privado, seja só ocupado por um grupo ou outro de pessoas.
É sabido por todos que a Arquibancada Norte da Arena é o espaço de preços populares do estádio e reservado ao público que deseja assistir o jogo de pé. Não é um espaço de organizadas, mas freqüentado pelas organizadas que não se encaixariam, pelo perfil, em outros setores do estádio em que há relutância do público em ver o jogo inteiro de pé. O torcedor, notadamente o de menor renda, que ocupa aquele espaço, pela lógica que vem do Ministério Público, terá que se associar a uma organizada para seguir freqüentando aquele espaço. Como compatibilizar tal esdrúxula exigência ministerial sem a violação de direitos e garantias individuais ?
Clara é a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso II, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Qual lei obriga que um torcedor que não seja ou deseje ser de organizada tenha que se cadastrar em uma para freqüentar área do estádio que sempre esteve ? Ou na mesma Carta Magna o artigo 5º, inciso XX, que é claro em afirmar que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. Qual a sustentação legal do MP possui para definir o perfil de ocupação de espaço em propriedade privada de clube de futebol, sob o marco da Constituição Federal que estabelece a “autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento”, o que por óbvio inclui a sua sede.
Há outras implicações na medida do Ministério Público. Quando da migração ocorrida dos sócios do Olímpico para a Arena foi oferecida ao quadro social a possibilidade de ocupar a Arquibancada Norte. A determinação do MP, ao forçar que o sócio que não é organizado e que pela sua livre escolha optou por aquele setor, acaba por interferir em relação contratual perfeita, acabada e em execução entre torcedor, clube e superficiária. Interfere na vontade direta do consumidor, cujo próprio Ministério Público é um dos titulares da sua defesa, afetando acordo de vontades livremente realizado e sem vícios.
Sob o aspecto econômico-financeiro. Como muito bem destacou o vice-presidente do Grêmio Nestor Hein na mídia, a medida fatalmente trará prejuízos ao clube. O espaço tem capacidade, segundo laudos, para cerca de 5 mil torcedores. É excepcionalmente improvável que 5 mil torcedores venham a se cadastrar. Quem pagará o prejuízo de espaço ocioso em um jogo com alta demanda de público ? O que dirá o torcedor de menor renda que verá sua oferta de lugares a preços mais modestos reduzida ? Se há uma lei que não pode ser revogada é da oferta e da demanda.
Digna de saudação a decisão do Conselho de Administração do Grêmio de submeter a medida ao crivo do Conselho Deliberativo, órgão estatutário de representação do sócio. Entendo, todavia, ser desnecessária a opção. O cadastramento de torcedores organizados decorre de lei. Que se cumpra. Já o que é descrito como “insanidade” sequer deveria ser objeto de provocação para manifestação do plenário do Conselho Deliberativo. Por uma simetria da Constituição Federal que é expressa em determinar que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais”, qualquer proposta versando sobre subtração de direitos dos sócios ou que atente contra a livre organização do clube, concessões inaceitáveis, sequer deveria constar numa ordem do dia. Pode e deveria ser rechaçada de plano.
Nós, amantes de futebol e torcedores que prezam pela paz nos estádios, seremos sempre aliados das autoridades, o que inclui o Ministério Público, na busca de soluções para a violência, mas cabe recordar que o Grêmio é uma entidade privada e sua organização e relação com seu quadro associativo é de sua exclusiva gestão, aliás, eleita legitimamente pela vontade dos seus milhares de sócios. Se alguém deseja interferir na vida do Grêmio e como ele se relaciona com o seu associado, que se submeta à vontade das urnas. Não há caminho alternativo.
Alexandre Aguiar
Conselheiro do Grêmio