“Não foi o Judas”. Texto do Jorge Bettiol

Poucos minutos antes da chegada dos soldados romanos e dos guardas do templo, Assis ergueu-se e pediu licença aos demais apóstolos simulando atender um de seus quatro celulares. Sabia que era questão de tempo a chegada dos algozes do Mestre. Durante a Ceia, sempre teatral nos gestos e fala, não gerou desconfiança entre os seguidores e nem mesmo no filho de Deus. O encontro não deixou de ser tenso, pois era plausível que nos bastidores (de forma naturalmente sorrateira) Pilatos, o Sumo Sacerdote Ricardo Teixeira, João (Àve)lange e os executivos da Globo conspiravam. Jamais aceitariam uma Liga de Clubes da Galiléia. Tampouco engoliriam uma nova agremiação que surgia, garimpando talentos nos empoeirados campos de Nazaré a Cafarnaum e distribuindo esperança de redenção, pão, glória e pódio aquela sofrida gente. E a meninada recebia e aprimorava não só os fundamentos daquele jogo, mas sólida e contundente formação ética. O que para os vendilhões do Templo, Roma e os seus aliados era uma verdadeira provocação. O mais promissor talento dos jovens que despontavam, sem dúvida, era Ronaldinho. Sorridente, dentuço, solícito, protótipo do bom moço. Jesus observava esperançoso, cheio de entusiasmo aquele moleque. O qual certamente, envergando uma número 10, venceria as poderosas equipes compostas por legiões romanas, povos bárbaros e fariseus de plantão. Até mesmo leões famintos seriam driblados e desmoralizados diante da impressionante habilidade do fulgurante craque. E Jesus e sua comissão técnica investiram durante anos naquela criança, sendo de Pedro, um dos tantos diretores não remunerados e abnegados, a tarefa de acompanhá-lo passo a passo (desde a base) tentando nortear sua formação. O que se tornou penoso, diante da constatação do quanto o menino era liso, escorregadio, principalmente sem o balão de couro nos pés. O já não precoce Ronaldinho, com sua irretocável imagem de cordeiro (mas, façamos justiça, sem nunca esconder os dentes), não estava no Monte das Oliveiras quando Jesus recebeu a ordem de prisão. Sordidamente havia saído pelos fundos poucas horas antes, se esquivando no terreno rochoso. Já tinha assinado seu pré-contrato com o time dos Centuriões e confraternizava, no exato momento da detenção, com mulheres de vida fácil e um grupo de pagode da guarda pretoriana, juntamente com um punhado de oficiais. Tudo regado a deboche (todos rolavam de rir ao escutar de Ronaldinho o relato do dia em que, junto ao bondoso Mestre, jurou jogar “até de graça, somente por amor”) e muito vinho num acampamento militar próximo. Assis, não. Este, campeão dos campeões nos simulacros, não só permaneceu no local como ainda beijou a face de um Jesus estupefato. Aproveitando o ensejo para ofertar um cartão com os préstimos do escritório de advocacia que o representava e que poderia, quem sabe, maneirar na estipulação dos honorários. Jesus seguiu para o calvário acusado de blasfêmia e Assis, satisfeito, rumou para o Palácio do Imperador Tibério para receber os cumprimentos pelo êxito da missão e também assinar o contrato com o novo patrocinador: um comerciante de pregos da Judéia. E o Judas ? Indaga o leitor. O Judas Iscariotes Moreira (apesar de parente) nada sabia das reais intenções de Roberto Assis Moreira e de seu resvaladiço e roedor irmão caçula. E, vejam só, passou a eternidade na condição de maior traidor da história da humanidade ! Uma brutal e secular injustiça. Judas Iscariotes Moreira apenas se prestou (por trinta moedas de prata e a promessa de emprego no cargo de gerente em uma casa noturna mantida pela família Assis Moreira, em Belém), sob as ordens de Assis e por falsos motivos, a conduzir os carrascos, suas tochas e armas, na subida das colinas na fatídica noite da prisão. Judas nem gostava dos romanos, sem falar que na equipe de Jesus tinha vaga certa sendo um meia-armador. Ludibriado pelas promessas de Assis (que jamais o empregou na citada casa noturna) terminou seus dias trabalhando de flanelinha nas cercanias do Coliseu e, corroído pelo remorso e progressiva cirrose hepática, acabou se enforcando. Dizem que dando um nó no pescoço utilizando uma camisa do time dos Centuriões, autografada por um certo dentuço inescrupuloso e mercenário. Pobre Judas.

Jorge Bettiol

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